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Machismo nosso de cada dia e as histéricas

  • Foto do escritor: Psicanalista Michele Maia
    Psicanalista Michele Maia
  • 10 de mar. de 2020
  • 4 min de leitura

Atualizado: 19 de jun. de 2024


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A palavra histeria é derivado da palavra grega hystera que significa útero. Já na Grécia Antiga havia o entendimento de que a histeria era uma doença orgânica de origem uterina e, portanto, especificamente feminina que afetava todo o corpo. Já naquela época supunha-se que a histeria se desenvolvia pela privação de relações sexuais, ressecando o útero, que ficaria muito leve e se deslocaria pelo corpo em busca da umidade necessária. Era comum atribuir a movimentação do útero pelo corpo da mulher como o causador de outras doenças além da histeria.


Outra consequência era afetar o coração, causando tonteiras, irritação, vômitos, dores de cabeça, etc. Desta forma, às mulheres doentes e desajustadas, Hipócrates sugeria um tratamento simples: o sexo para mulheres casadas e o casamento para as solteiras e viúvas, a fim de terem relações sexuais frequentes. Tudo isso com o objetivo de umedecer e reter o útero no lugar adequado.


No período medieval, sob a influência das ideias religiosas, a histeria passou a ser objeto da Teologia. De acordo com as concepções religiosas da época, a histeria causada pelos problemas oriundos do útero, seria considerada a expressão da necessidade de um prazer sexual e, por conseguinte, de um pecado. A mulher era vista como sendo possuída por um demônio, que a fazia agir involuntariamente, simulando doenças e comportamentos bizarros.


A Igreja Católica Romana, se utilizava da Inquisição para reconhecer e condenar os casos de bruxaria e mandava à tortura e para a fogueira todas aquelas mulheres que manifestassem comportamento fora do habitual, portanto histéricas. Durante mais de dois séculos, a caça às bruxas fez milhares de vítimas, mesmo a opinião médica se opondo contra este conceito demoníaco e de possessão.

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Antigos médicos franceses chegaram a formular a hipótese de que fermentações sexuais retidas pela falta de atividade sexual, formariam os vapores, que se movimentam de baixo para cima, chegam ao cérebro pelo canal dos nervos, causando sintomatologia histérica.


No período vitoriano uma classe especial de médicos decidiu usar como prática terapêutica a masturbação de mulheres. Acreditavam que a manipulação profissional do clitóris curava a histeria. Utilizando óleos vegetais, aplicavam massagens com os dedos até que a paciente atingisse o orgasmo, então chamado de “paroxismo”. Acreditava-se que os “paroxismo histéricos”, ou seja, os orgasmos, aliviavam temporariamente os sintomas da histeria.


Os médicos deste período estavam interessados em desenvolver dispositivos que pudessem economizar tempo e poupar seus esforços no atendimento constante de mulheres que apresentavam o mal da histeria em seus consultórios, e decidiram desenvolver dispositivos que pudessem induzir o orgasmo em pacientes de forma mais eficiente. Aparelhos masturbadores ou vibradores foram patenteados nesta época. Durante esta época chegou a ser cogitada a retirada cirúrgica do clitóris como resolução definitiva deste problema.


A partir de meado do século XIX com os estudos e pesquisas do neurologista francês Jean-Martin Charcot, e posteriormente Freud, a histeria começa a ser tratada como uma neurose. Tendo sua origem na psique e não no corpo, principalmente não se condicionando especificamente a um órgão feminino. A moderna noção de uma neurose histérica subentendia uma causa traumática afetando tanto os homens quanto as mulheres.


A partir deste histórico sobre a visão da mulher pela sociedade, podemos entender as heranças que carregamos até os dias de hoje. Ainda vivemos em uma sociedade machista e misógina onde determinadas pessoas acreditam que mulheres tem certos deveres ou obrigações consideradas femininas, que devem tolerar certas coisas e serem recatadas e obedientes, que devem vestir determinada cor para externalizar sua delicadeza. Às mulheres que não se adequam no papel de subservientes e mansas, são sugeridos “estupros corretivos”, é dito que “isso é falta de sexo” e outras barbáries do mesmo tipo.


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A “legitimidade” do estupro e a conclusão de que determinado comportamento ocorre por "falta de homem (ou sexo)” é um fantasma que nos assombra até hoje. Além disso, também são atacadas e violentadas aquelas pessoas que se identificam com o gênero feminino, sendo inadmissível poder biologicamente ser homem e negar essa "dádiva divina".


Ao longo de nossa civilização não fomos donas de nossos próprios corpos e fomos subjugadas às situações mais humilhantes que poderiam nos impor, e para as emocionalmente desgastadas, psiquicamente exaustas, restou o título de histérica. Título este que recebemos até hoje quando um homem deseja nos ofender e minimizar nossas reivindicações e apelos. Ainda hoje carregamos toda a ignorância, ódio e incompreensão que o masculino direciona ao feminino. Nossa sociedade baseada nos valores estabelecidos por homens que tiveram poder para manipular as religiões, mídia e hábitos sociais, dita sobre modelos femininos a serem seguidos, onde temos que ter modos delicados, aptidão pela maternidade, longos cabelos, salários menores, zelo pelo lar, dotes culinários e etc. Ainda hoje quando nos recusamos ao que nos é imposto e não adotamos uma postura doce e pacífica para enfatizar nossa recusa, somos chamadas de histéricas, é dito que é falta de sexo, pois precisamos de um homem para nos acalmar. Desta forma, pergunto: o quanto mudamos em séculos de civilização? Qual o tamanho do prejuízo emocional causado na psique das mulheres (toda nós, cis ou não)?


Hoje, além da violência que nos mata e arruína nossas vidas, um grande motivo da instabilidade emocional das mulheres é não conseguir atender, ou não desejar atender, às imposições e padrões determinados pela sociedade machista em que vivemos. Temos que nos fortalecer, nos equilibrar e nos unir nesta luta diária de nossas vidas, que para os homens é apenas mais um dia normal.


Psicanalista Michele Maia

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